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O nosso primeiro universo é o útero materno. Com a maturação biológica, nosso “ninho” fica apertado e somos expulsos de lá. Conquistamos, paulatinamente, novos espaços de autonomia: primeiro, com a respiração; depois, com a capacidade de caminhar, num movimento que oscila entre o equilíbrio e o desequilíbrio. Assim como precisamos de chão firme para andarmos com as próprias pernas, precisamos de afeto e encorajamento para amadurecermos.
A família é o útero social, onde a pessoa vai se percebendo e desenvolvendo suas aptidões mediante os vínculos que constrói. É um sistema regido por regras, que determinam os padrões de interação. Há duas forças contrárias que agem sobre ela: a homeostase, que garante a sua conservação, e a transformação, que permite o seu crescimento. Para desenvolver sua autonomia, o ser humano precisa se sentir integrado. Assim, a família deve gerar segurança e liberdade, para que haja respeito às diferenças. Quanto mais nos sentimos amados e valorizados, mais somos estimulados a ampliar o nosso mundo e desenvolver o nosso potencial.
A base de uma auto-estima positiva é a convicção de estar no lugar certo, de ter o direito de existir e crescer. A tarefa da família é receber um ser dependente e imaturo, e transformá-lo em um ser autônomo e interdependente, capaz de amar e ser amado, bem como de contribuir com a construção do mundo. Amar é respeitar o outro em sua unicidade, em suas escolhas e desejos. Os filhos precisam viver de forma coerente com os talentos que Deus lhes deu, mesmo que não coincidam com as expectativas de seus pais.
Quando a estrutura familiar é muito rígida, a criança não encontra espaço. Ela se sente coagida a ocupar um lugar predeterminado para não ser rejeitada. Para o psiquiatra Adalberto Barreto, “o ambiente familiar passa a ser um espaço de asfixia, de muita frustração e sofrimento”. Nessas famílias não há lugar para o desabrochar da vida. Os anseios pessoais são asfixiados pela pressão de regras rígidas, que estão a serviço de um equilibro estático e restritivo. As relações são fundamentadas na manipulação e na culpa. É preciso se violentar para continuar fazendo parte do sistema. Não há espaço para o prazer, a alegria, a criatividade.
Muitos se submetem por medo da rejeição. Outros assumem a responsabilidade de manter a família unida, mesmo que para isso tenha de adoecer. Essas pessoas se tornam a lata de lixo da família, o pára-raios das tempestades afetivas. Mas a droga e o álcool podem se tornar uma forma de escapar magicamente dessa realidade opressiva. A violência intra-familiar é outro sintoma de desajuste. Em vez de promover emancipação e desenvolvimento, o útero social tem se tornado um espaço de condicionamento, deformação e, até mesmo, exclusão. Além dos desajustes internos, a violência social pesa sobre a família por meio do desemprego e, consequentemente, da falta de saúde, moradia, educação e segurança. Para Adalberto Barreto, essa condição “produz estresse, reduz o limiar da tolerância e favorece as agressões, as fugas nas drogas e no álcool e as desagregações”.
A família tem o chamado para refletir o amor incondicional de Deus. Os vínculos não podem sofrer ameaças de rompimento. Eles são compromissos a ser renovados a cada crise, os quais norteiam a busca de soluções que contemplem as necessidades de todos os envolvidos. A harmonia é fruto do diálogo, da flexibilidade, do respeito mútuo, do perdão e da reconciliação. Ninho e horizonte amplo garantem aconchego e liberdade. Famílias saudáveis são aquelas que constroem vínculos suficientemente fortes para gerar autonomia e crescimento. Quando perguntaram à mãe de Martin Luther King qual era o segredo da educação que gerara um filho tão especial, ela respondeu com sabedoria e simplicidade: “Procurei dar-lhe raízes e asas”.
::Isabelle Ludovico – Ultimato