Há alguns anos, assisti a uma entrevista com Carlos Saldanha, um brasileiro que trabalha com cinema nos EUA e foi diretor de famosos desenhos animados, tais como, “Rio”, “Rio 2” e a “A Era do Gelo 2”. Embora seja um grande artista do desenho e da computação, em nenhum momento Carlos afirmou que “ele” fez o desenho, “ele” fez o roteiro, “ele” fez tudo. Ao contrário, ressaltou que “centenas” de pessoas participaram do processo de elaboração dos filmes. E não se trata apenas de modéstia, mas de valorização do trabalho alheio e mais, convicção de que trabalho de tamanha envergadura seria impossível alguém fazer sozinho. Certamente, o que mais se valorizou nesse contexto foi a ação de ouvir um ao outro com atenção, pois trabalhar em equipe não é apenas cada um usar o próprio dom em favor de uma causa, mas, acima de tudo, cada um ouvir o que o outro está dizendo e ambos trabalharem pela mesma causa.
Então, dentre as coisas que mais me deixam chateado no quesito relacionamento é conversar com alguém que não presta atenção no que falo e está sempre indo embora, nunca tem tempo para escutar o que tenho a dizer. Minha vontade, no fundo, é interromper abruptamente a conversa e sair. Não tomo tal atitude por educação, bem como, para não pagar o mal com o mal. Se por algum motivo a pessoa está com pressa, tem horário marcado com outra, tudo bem, mas tem gente que está “sempre correndo” e “nunca” tem tempo para qualquer pessoa que a aborde. Acontece em todas as classes sociais e posições, do chefe ao último funcionário. Nesse caso, escorregar de conversas já virou hábito. Comparo esse tipo de gente àqueles que estão de corpo presente, mas o tempo todo conversando com outra pessoa ao celular. A mais importante é sempre a outra pessoa e não a que está na frente dela. Como é hábito, quando essa pessoa encontrar com outra, ficará falando comigo pelo celular. Tente entender essa gente ansiosa e depois me explique.
Quem não escuta o outro com atenção, perde de aprender muitas coisas interessantes, novas ideias, seja na escola, no trabalho, na igreja ou em casa.
Quem não escuta o outro com atenção, perde sentimentos agradáveis, pois não consegue entrar no assunto do outro. As histórias e experiências não são internalizadas a ponto de fazerem diferença. Alegria, tristeza e necessidades de todo tipo são simplesmente desconhecidas, quando não se ouve o que outro tem a dizer. Portanto, quem não escuta, torna-se insensível à causa alheia.
Quem não escuta o outro com atenção, perde momentos inesquecíveis, pois sempre estará ausente. Um bom exemplo é quando alguém canta e o outro conversa, ignorando a música. Outro exemplo é daquele que, em vez de ouvir com atenção alguém recitar a poesia, opta por só fotografá-lo; o conteúdo não interessa, apenas a figura. Mas a maior falta de atenção para ouvir o que o outro diz, seja em gesto ou palavras, é quando alguém recebe um presente, mas só consegue ver defeitos e reclamar. Perdeu a oportunidade de ter um momento inesquecível.
Quem não escuta o outro com atenção, perde conexões importantíssimas. Pode perder oportunidades de emprego, bons negócios e até o amor da sua vida. Pode perder o melhor sócio ou o melhor funcionário para a empresa.
Quem não escuta o outro com atenção, perde preciosos conselhos que poderiam ser a chave para a resolução de pequenos e grandes problemas, pois, “na multidão de conselheiros há sabedoria” (Pv 11.14) Para obter conselhos é preciso boa dose de paciência misturada com humildade e bastante disposição para ouvir.
“Escutai-vos uns aos outros” não é mandamento bíblico de forma direta, mas implícito em muitos versículos. Quando alguém confessa os pecados ao outro (Tg 5.16), a oração que se segue deverá ser de alguém que conseguiu “ouvir” e entender a confissão. Quem prefere em honra e aceita o outro (Rm 12.10; 15.7) é alguém que realmente sabe quem é o outro porque sempre o ouve. Só poderá admoestar, instruir, aconselhar, edificar e encorajar (Rm 15.14 / Cl 3.16 / 1Ts 5.11 / Hb 3.13) aquele que conseguiu “ouvir” o que o outro tem a dizer. Admoestações, instruções, conselhos e encorajamentos não podem ser distribuídos tal qual folderes lançados de avião. É preciso ter alvo conhecido: pessoas que foram ouvidas. Ter cuidado, levar as cargas, servir e suportar uns aos outros (1Co 12.25 / Gl 5.13; 6.2 / Ef 4.2) não é mandamento que se cumpre sem que se ouça com atenção quais são as reais necessidades do outro. Por fim, ninguém consegue amar e ser amado (Jo 13.34) sem ouvir com bastante atenção o que o outro pensa e diz. Ninguém recebe amor de graça; é preciso conquistar com todas as armas possíveis, inclusive, o ouvido.
::Pr. Atilano Muradas,lagoinha.com